13 août 2007

Timor-Leste: QUIS SER VENDEDOR DE ABÓBORAS MAS AGORA É PRIMEIRO-MINISTRO

Lisboa
13.08.07- Diário de Notícias

Artigo de opiniao publicado no "Diario de Noticias" da autoria de Leonidio Paulo Ferreira


"Maun Boot" quer dizer "irmão maior" em tétum. É assim que muitos timorenses chamam a Xanana Gusmão, o guerrilheiro que passou sete anos numa prisão indonésia. Herói nacional, tornou-se em 2002 o primeiro presidente do país e passou o tempo a dizer que o poder não o seduzia - que com a independência a sua missão estava cumprida. Rodeado pela mulher, a australiana Kristy Sword, e os três filhos, garantia que sonhava ter tempo para fotografar, que estava ansioso pelo final do mandato em 2007. Até admitia transformar-se em vendedor de abóboras, ideia que repetiu em Janeiro à Time. Sete meses depois, Xanana é primeiro-ministro, líder de um partido formado à pressa e que nem sequer foi o mais votado nas

legislativas apesar de se chamar CNRT, sigla mágica da resistência à Indonésia. Nas ruas, há hoje quem chame "traidor" ao "irmão maior", queime casas para protestar por o ex-presidente ter "usurpado" a vitória da Fretilin e ameace mesmo incendiar Timor-Leste, porque Ramos-Horta, o novo Chefe do Estado, apoiou Xanana no braço-de-ferro com Mari Alkatiri.

Calcula-se que 50% da população de Dili sobreviva graças à ajuda humanitária. E os confrontos do ano passado, após uma cisão nas forças armadas, deixaram milhares de desalojados. Apesar das promessas do petróleo no mar entre o país e a Austrália, a pobreza é imensa e qualquer má colheita deixa a economia de rastos. Quase metade da população está desempregada, sobretudo jovens, e isso explica parte do caos em que mergulhou a antiga colónia portuguesa. A outra parte só se entende pela degradação da relação entre Xanana, o guerrilheiro, Alkatiri, o ex-exilado que lidera a Fretilin, e Ramos- -Horta, o Nobel da Paz. Relação marcada pelo ódio entre os dois primeiros, com o terceiro a servir de árbitro, mas a ser também ele um jogador cheio de ambições.

Estes cinco anos transformaram-se em tempo perdido para o milhão de timorenses. E tudo serve para um ou outro lado se desculpar: fala-se da influência da Austrália e das suas tropas no território, da antipatia da Igreja pelo muçulmano Alkatiri, da rivalidade étnica entre lorosae e loromonu, da corrupção entre as elites, das disputas nas forças armadas, do choque dos liberais com a Fretilin de raiz marxista-leninista. Mas o mais amargo para os timorenses, e para quem um dia se vestiu de branco em solidariedade com a sua causa, é este novo papel de Xanana. Trocou os mais de 80% de votos que um dia o elegeram presidente pelos 24% do CNRT (que governa em coligação). Fotógrafo ou vendedor de abóboras, era-lhe possível ser um Mandela timorense, referência unânime para o seu povo ainda em busca de rumo. Preferiu ser um político normal.

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