28 juillet 2007

O imbróglio timorense

Sábado, Julho 28, 2007
O imbróglio timorense

Portugal Digital - 27/07/2007 - 18:30

Três semanas depois das eleições legislativas, o veredicto saído das urnas resultou num impasse na governabilidade de Timor-Leste.

Carlos Pinto Santos *

Três semanas depois das eleições legislativas, o veredicto saído das urnas resultou num impasse na governabilidade de Timor-Leste. No tabuleiro partidário, os dois blocos em confronto, Fretilin e anti-Fretilin, mantêm-se renitentes em aceitar as variáveis de consenso sugeridas por José Ramos-Horta. A 30 de Julho, Francisco Guterres ‘Lu Olo’, presidente da legislatura cessante, convoca o Parlamento de Timor-Leste sem que tenha sido alcançado um consenso sobre a formação do próximo Governo.

Após as eleições legislativas de 30 de Junho, tem-se desenrolado em Díli uma maratona de reuniões interpartidárias, negociações que vêm a público, outras de que nada se sabe. As cartas do baralho são distribuídas por diversas vezes e o que é dito num dia, acaba por ser negado horas depois.

A batata quente saída das urnas está, em grande medida, nas mãos de José Ramos-Horta. O Presidente foi eleito em Maio último graças à estratégia desenhada por Xanana Gusmão para afastar a Fretilin e Mari Alkatiri do poder. Mas, dado o resultado das legislativas, essa estratégia só resultou em parte.

Apesar de ter perdido metade dos eleitores, a Fretilin foi o partido mais votado, com 29 por cento dos sufrágios e 21 deputados eleitos, à frente do Conselho Nacional para a Reconstrução do Timor-Leste (CNRT) chefiado por Xanana Gusmão, que obteve 24 por cento e 18 deputados.
Os 80,5 por cento dos eleitores timorenses que escolheram os 65 deputados do Parlamento de Díli deram, em seguida, 15,7% e 11 deputados à coligação PSD/ASDT, de Mário Carrascalão e Xavier do Amaral, respectivamente; e 11,3% e oito deputados ao Partido Democrático (PD) de Fernando Lassama. Três outros partidos conseguiram assentos do Parlamento: PUN com três, UNDERTIM e a coligação KOTA/PPT ambos com dois.

Se o CNRT tivesse conquistado mais cinco por cento dos votos, a enxaqueca de Ramos-Horta não o teria afectado.

Mas agora está emaranhado nos interesses dos nove partidos com representação parlamentar – num país com cerca de 930 mil habitantes e 14.615 km2 – e nas interpretações contraditórias da Constituição. Convidar o partido mais votado a indicar o nome do primeiro-ministro?

Escolher Aliança com Maioria Parlamentar (AMP), criada seis dias depois das eleições, que junta CNRT, PSD/ASDT e PD, dispondo da maioria absoluta de 37 deputados?

Depois de mais uma ronda de negociações em que viu recusada pelas forças políticas da AMP a sua proposta de união nacional, dito Governo de Grande Inclusão, Ramos-Horta disse à imprensa que uma alternativa passava pela Fretilin formar sozinha o Executivo, acrescentando, no entanto, que este cairia rapidamente «em colapso» ao apresentar o programa no Parlamento.
A outra opção seria um Governo dos partidos da AMP com a Fretilin a passar à oposição. No puzzle timorense os protagonistas não se detêm em marcar terreno numa catadupa de declarações. «Não abdicamos da vitória», diz Alkatiri que enfatiza a legitimidade da Fretilin constituir Governo, dá indícios do seu partido poder aceitar Fernando Lassama (PD) como primeiro-ministro e afirmase disponível a ficar de fora desde que Xanana também fique.

Mário Carrascalão (PSD), governador de Timor-Leste durante a ocupação indonésia, mostra-se irredutível em partilhar o poder com a Fretilin.

Depois do anúncio da criação da AMP, Xanana remete-se ao silêncio em público.

Uma charneira chamada Lassama

Com um inesperado terceiro lugar nas presidenciais de Maio, ao conquistar 19 por cento dos votos, e agora com oito deputados eleitos, Fernando Lassama é dado como a charneira do imbróglio. Visto como um «político da nova geração», o presidente do PD foi assediado pelos dois grandes blocos chefiados por Alkatiri e Xanana.

Ao Expresso (jornal semanário português) informou que na noite de 5 para 6 de Julho dormiu apenas três horas para poder consultar os líderes distritais do partido que lhe permitisse tomar uma decisão definitiva. Mas que eles rejeitaram a Fretilin. Posto isto, foi sentar-se na mesa que anunciou a AMP à imprensa, ao lado de Xanana Gusmão, Mário Carrascalão e Xavier do Amaral.
No entanto, com a mutabilidade das alianças e contra-alianças do dia-a-dia timorense não é de excluir, de todo, próximos cenários.

Um deles pode passar pelo líder do PD. Se o primeiro-ministro indigitado por Ramos-Horta recair na escolha de Xanana Gusmão ou de Mário Carrascalão, Fernando Lassama poderá não ficar imune ao convite de uma proposta de Mari Alkatiri. Rompe com a AMP e, se quatro outros deputados forem arregimentados, está encontrada uma outra maioria absoluta.

Por outro lado, José Ramos-Horta sabe que o país é ingovernável se a instabilidade se mantiver. Sabe também que a comunidade internacional dá evidentes sinais de cansaço pela arrastada crise timorense desencadeada em Abril de 2006.

Na sua mais recente tentativa, Ramos-Horta reuniu, a 19 de Julho, os representantes de todos os partidos com representação parlamentar numa comunidade religiosa na aldeia de Dare, nas montanhas a 17 quilómetros de Díli.

Os despachos das agências dizem que neste conclave estiveram, nomeadamente, Mari Alkatiri, Xanana Gusmão, Francisco ‘Lu-Olo’ Guterres e o primeiro-ministro cessante Estanislau da Silva.

Na ordem de trabalhos esteve, de novo, a formação do Governo de Grande Inclusão. Os resultados da reunião são ainda nebulosos, sabendo-se apenas que perdura o braço de ferro entre os dois blocos: Fretilin e anti-Fretilin.

A acalmia relativa mantida no país, em particular nos bairros vulneráveis da capital, pode entrar em ruptura no caso do Governo de união nacional defendido por Ramos-Horta e aceite pela Fretilin que insiste, todavia, no direito de concordar com o nome proposto para o cargo de primeiro-ministro. Caso isso não aconteça, a violência poderá descer novamente às ruas.
Na reportagem «Gangues de Timor» do enviado especial do Expresso (13 de Julho), Micael Pereira, há um dado surpreendente. Refere ele que «dez por cento da população está envolvida em grupos de artes marciais ou similares». Introduzidos pelos indonésios nos anos 80 como forma de espalhar o caos, fomentando «uma cultura de violência e vingança», o número destes grupos de artes marciais é desconhecido. O jornalista do Expresso, que se avistou com vários chefes de gangs, destaca dois: PSTH, o mais antigo com 33 mil membros agora próximo do CNRT e o KORKA com 36 mil aderentes ligados à Fretilin.

Timor-Leste é um barril de pólvora. A acendalha que possa advir do fracasso das negociações de governabilidade agravará a ruína do país.

Não serão só as dezenas de milhares de deslocados que aguardam nos campos em redor de Díli a perderem a esperança do regresso às habitações desfeitas. Nem o adiamento da recuperação socioeconómica de um dos países mais pobres que dispõe de recursos naturais fabulosos para a sua dimensão. O pior pode estar para vir.

*Carlos Pinto Santos, jornalista, é director executivo da revista África 21, parceira do Portugal Digital

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